segunda-feira, 15 de outubro de 2007

A Graça da Vida

A americana Trish Vradenburgh, que sempre trabalhou com discursos políticos e roteirizou seriados de televisão, resolveu aventurar-se no teatro escrevendo essa peça, dizem, a fim de superar a perda da mãe, tendo novamente a oportunidade de vê-la viva, ali na sua frente, através da interpretação de uma grande atriz.A Graça da Vida é, basicamente, uma história de amor entre pais e filhos, em cujo desenrolar vários temas são abordados com uma leveza impressionante.
Trata-se de uma encenação gostosa de ser assistida, com um texto delicioso de ser ouvido e, acredito, de ser dito. Tudo muito simples, mas que me deixou uma sensação boa, embora reconhecíveis vários furos, a irregularidade do elenco e a incongruente reviravolta no final. No entanto, todos esses aspectos negativos não tiram a sensação de ver grandes interpretações em cena.
De um lado está Kate, uma escritora de sucesso de seriados para TV, louca por trabalho, que praticamente só pensa nisso e mantém uma vida amorosa complicada. Do outro, Grace, uma mãe dominadora que chega sempre em horas indesejáveis. As duas mantêm uma relação conflituosa, que vai da intolerância ao carinho, sempre com muito humor. É calcado na relação mãe e filha que o texto, e a peça, atingem o seu melhor, nos embates freqüentes das personagens e no acerto de contas que, indiscutivelmente, gera grandes interpretações. Kate sabe que precisa dar mais atenção à sua mãe, mas só cai na real quando Grace se descobre com mal de Alzheimer. A partir desse momento, o da deterioração da mãe, é que a filha muda completamente seu jeito de agir.

Num primeiro momento, questionei o porquê da peça ser dividida em dois atos, mas, depois, constatei que , na verdade, há uma peça no primeiro ato, e outra depois. Se, no primeiro, temos um belo texto, emoldurado por um igualmente belo embate de atrizes, no outro ocorre uma reviravolta absurda, que quase consegue fazer com que a peça vire uma piada, uma vez que, em se tratando de uma obra realista e atual, A Graça da Vida não poderia usar de realismo fantástico, imaginação extraordinária ou coisa que o valha.

Em torno das duas figuras centrais da peça, existem outros personagens que fazem parte de suas vidas, personagens esses que, com a exceção do pai, poderiam ser apenas citados. A estrela do seriado que Kate escreve e um funcionário da TV, por exemplo, são totalmente desnecessários, ainda mais com a interpretação caricata de Fábio Azevedo e o trabalho de Clara Carvalho, que não diz a que veio. Eliana Rocha grita em cena para fazer sua Lorna cômica, mas só consegue enganar os mais desavisados; Ênio Gonçalves, na pele do pai, é o maior canastrão de todos os tempos, não conseguindo segurar em nenhum momento o personagem, e, por fim, o único que se salva desta parte do elenco, é o sempre talentoso Emilio Orciollo Netto, que vive o médico de Grace de forma dura quando tem que falar da doença da mãe e com docilidade quando se apaixona pela protagonista Kate.

No elenco principal, Graziella Moretto é uma grata surpresa. Avalizada por grandes produções como Avenida Dropsie e Beijo no Asfalto, a atriz é mais conhecida do grande público pela sua inegável veia cômica, mas aqui nos mostra que é uma intérprete completa, e de mão cheia, conseguindo cumprir com perfeição a tarefa de encarar, de igual para igual, a maravilhosa Nathalia Timberg sem, em nenhum momento, escorregar. Mantém um bate-bola fantástico, e enfatiza ao espectador a delícia que é assistir a duas atrizes desse porte. E Nathalia é perfeita, desde quando entra em cena, com uma vivaz Grace, até quando acaba em uma cadeira de rodas, passando, momento a momento, as sutilezas da deterioração que a doença causa nas pessoas. E tudo isso só não é melhor por causa do ritmo frenético da ação, com muitos cortes que deixa a apresentação muito televisiva, provavelmente por conta do trabalho da autora.

Não se pode deixar, ainda, de ressaltar a maravilha do figurino usado pelas protagonistas, tudo de muito bom gosto: Graziela desfila vários modelos em cena, cada um mais lindo que o outro, trabalho brilhante da figurinista Giovanna Moretto. Cenário, iluminação e trilha sonora sem grandes destaques, mas tudo bem feito.

A Graça da Vida vale, basicamente, pela dupla Timberg-Moretto. Portanto, se você não gosta de nenhuma das duas, não há motivo para assistir; mas, se você quer ver um belo embate de duas atrizes em plena execução de seu ofício, vá fundo. Nathalia Timberg e Graziella Moretto são literalmente a graça da peça.

Cotação: Bom (***)

Serviço: A Graça da Vida
De: Trish Vradenburgh
Adaptação: Paulo Autran
Direção: Aimar Labaki
Com: Nathalia Timberg, Graziella Moretto, Ênio Gonçalves, Eliana Rocha, Clara Carvalho, Fábio Azevedo e Emílio Orciollo Netto

A Festa de Abigaiu

Vencedora do 10º Festival da Cultura Inglesa, na categoria teatro adulto, A Festa de Abigaiu é uma deliciosa comédia, com texto do inglês Mike Leigh (diretor de filmes como SEGREDOS E MENTIRAS e VERA DRAKE), que tem, pela primeira vez, um trabalho seu montado por aqui, e vem ganhando a platéia paulistana.Escrita em 1970, a peça enfoca o realismo social, ou seja, o dia a dia, os problemas, as frustrações e desejos, de cinco personagens que se encontram com o pretexto de conversar e se divertir.

A partir daí, feridas são expostas, assim como hábitos politicamente incorretos e reações muitas vezes exageradas – diante dos outros e de uma platéia atenta. Recheada de humor negro, a obra diverte e nos faz rir de forma inteligente, sem apelar, em momento algum, para palavrões ou técnicas mais fáceis, tão comumente usadas para ganhar o público. Aliás, muitas vezes, é uma pausa, ou um silêncio, que fazem com que a platéia desande a rir.

Leigh nos introduz no cotidiano e nos costumes de um grupo de losers, que vivem em um condomínio onde está acontecendo a tal festa do título, num verdadeiro jogo de poder, uma competição para mostrar, a todo momento, quem é o melhor.

A direção da montagem brasileira é de Mauro Baptista Vedia, que usa de pausas e marcas muito bem colocadas, pois o próprio autor explica que cada personagem tem um tom exigido, o que se nota claramente na adaptação. A anfitriã Beverly, que vai para o lado da comédia e do cinismo, é interpretada pela fantástica Ester Laccava, que mais uma vez arrebenta em cena, principalmente se considerarmos que a intérprete vem de um gênero completamente diferente em seu trabalho anterior. Com uma personagem que está sempre preocupada com seus convidados, e sempre tentando se mostrar melhor, a atriz usa esse humor cínico com perfeição.
Eduardo Estrela, diz o diretor, seria o elo mais dramático, na pele de Lawrence, o marido e dono da casa, preocupado com o trabalho e sempre confrontado por sua mulher.

Com uma interpretação recheada de silêncios e expressões, Estrela mostra-se, também, o elo mais fraco do elenco. Ângela, vivida por Ana Andreatta, já nos ganha quando diz a primeira sílaba. Uma personagem caricatural, com o lado infantil muito aguçado, que é constantemente humilhada pelo marido mas, ao mesmo tempo, consegue ser doce e gentil. Em suma, pode até se tratar de uma caricatura, sim, mas feita com maestria. Fernanda Couto é Susan, a vizinha mais intelectual, sofisticada e de fala mansa, interpretada com enorme talento pela atriz, que faz dos gestos e expressões a base da sua composição. Por fim, o bonachão Tony, defendido por Marcos Cesana, faz um tipo grosseiro e cansado de tudo a sua volta, recado que o ator dá conta sem muitas exigências.

Enfim, um elenco afinado, texto inteligente e boa direção, que estão cercados de outro bom grupo: o cenário, de uma casa classe média britânica, cheia de detalhes e objetos de cena, tudo muito útil à encenação, leva a assinatura de Álvaro Razuk; a trilha original, fantástica, quase como um sexto personagem, foi criada pelo próprio autor, e adaptada pelo diretor, e o figurino, bonito e de acordo com a época, feito por Maite Chasseraux.

Tantas qualidade fazem de A Festa de Abigaiu a zebra das peças da cidade, pois, chegando de cantinho, vem conquistando as platéias e já é considerada a terceira melhor peça em cartaz na capital paulista, segundo revista especializada. Texto inteligente para pessoas de bom gosto. O último por favor apague a luz!

Cotação: Muito Bom (****)

Serviço: A Festa de Abigaiu
De: Mile Leigh
Direção: Mauro Baptista Vedia
Com: Ester Laccava, Ana Andreatta, Eduardo Estrela, Fernanda Couto e Marcos Cesana

O Método Grönholm

Texto do espanhol Jordi Galcerán, O método Gronholm ganhou diversos prêmios na Espanha e também já pode ser visto nas telas de cinema com o título O que você faria? Com temática bastante atual a história conta a dificuldade pela busca de um bom emprego e o que as pessoas fazem para consegui-lo.

Quatro grandes executivos se reúnem em uma sala fechada para conseguir um grande emprego em uma multinacional, recheado de humor, sarcasmo e ironia os quatro se submetem a coisas inimagináveis, diante disso tudo existe um detalhe muito importante, entre eles existe um executivo da empresa disfarçado e que irá escolher quem será o escolhido, o método do título realmente existe e é usado em grandes empresas mundo afora.O mistério de saber quem é o elemento infiltrado instiga o público até o final, e por razões óbvias aqui não será revelado.


O texto pode ser direcionado tanto para o drama quanto para comédia, na encenação brasileira a comédia dá o tom do espetáculo, um texto contemporâneo e inteligente, uma boa direção e um grande exercício para os atores, que enfrentam uma dupla jornada, interpretam os executivos e também situações impostas pela empresa.Um cenário clean e sofisticado de Marcos Flaskman, e um figurino sóbrio e elegante de Paula Raia e Fernanda de Goeye, aliadas a correta iluminação e trilha sonora dão um cara bonita ao espetáculo. O grupo de quatro atores é bastante entrosado o que faz o resultado ser ainda melhor. Lázaro Ramos e Ângelo Paes Leme são os astros do espetáculo, o primeiro é Fernando Fontes um executivo perspicaz e engajado pela empresa, o ator está fantástico principalmente nas cenas cômicas, fazendo valer com louvor o burburinho em sua volta atualmente, o segundo é Carlos Figueiredo competitivo ao extremo e digamos um pouco delicado, ou estaria ele fingindo ser o que não é? Em o método é assim, nada do que parece é, Ângelo relegado a papéis secundários na tv aqui arrasa com seu timming cômico, Edmílson Barros vive Henrique Madeira sujeito atrapalhado (ou não) que já ganha a platéia com gagues e trejeitos, bastante talentoso mas infelizmente faz rir de forma mais fácil usando desses artifícios, ao contrário dos outros dois, Taís Araújo é Mercedes Delgado sem dúvida o elo mais fraco do elenco, com uma pose de executiva extremamente artificial a atriz escorrega por alguns momentos mas não prejudica em nada por que no conjunto os quatro são muito afinados, e isso fica muito claro na cena em que eles usam cada um, um chapéu diferente, eles arrasam e se divertem muito em cena.


No todo a peça é boa, e o grande mérito é um texto extremamente atual e um elenco entrosado, cortando alguns excessos a peça ficaria redonda. O método Gronholm nada mais é que um jogo, em que participam atores e platéia e acredito eu um jogo que merece ser jogado.


Cotação: Bom (***)

Serviço: O Método Gronholm
Texto: Jordi Galcerán
Direção: Luís Antônio Pillar
Com: Lázaro Ramos, Taís Araújo, Ângelo Paes Leme e Edmílson Barros
Onde: Teatro das Artes-SP
Temporada até 16 de dezembro