terça-feira, 7 de agosto de 2007

No Retrovisor

Podemos dizer que “No Retrovisor” é um espetáculo recheado com tudo aquilo que uma boa peça deve ter: excelente texto, boa e sensível direção, uma dupla de atores de primeira grandeza, uma trilha musical fantástica e cenário, figurinos e iluminação que se encaixam de forma perfeita no todo. Além de tudo isso, o espetáculo é pop e moderno. Marcelo Rubens Paiva, autor do brilhante “Feliz Ano Velho”, faz desse texto um de seus melhores trabalhos, mesclando sentimentos diversos, tais como traição, medo, incerteza, dúvida e, principalmente, uma bela, e nada convencional, amizade.

A trama começa quando a dupla de atores, de teatro de improviso, faz da platéia do teatro uma festa. Já fazendo parte da peça, os atores que, na verdade, já estão encarnando os personagens Marcos e Ney, cantam e levam os espectadores às gargalhadas. A partir daí, aluz se apaga, o pano sobe, e vemos um cenário de um apartamento sujo e bagunçado, mas cheio de elementos de cena. Marcos, que leva uma vida medíocre e pobre, com um filho e uma esposa, recebe a visita de Ney, que virou um cantor brega de grande sucesso, mas que ficou cego devido a um acidente que mudou para sempre o rumo da vida desses dois jovens sonhadores, apaixonados por teatro, que desejavam brilhar juntos, mas que, diante de tal fatalidade, tiveram que caminhar para lados opostos.Esse encontro acaba se tornando um acerto de contas cheio de revelações doloridas e recheado por um humor ácido comum ao autor.

A conversa dos dois é pontuada por diversas citações pop que fizeram parte da juventude dos personagens. Estão lá principalmente ícones de nossa cultura como Cazuza, Renato Russo, New Order, The Clash e o grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone. Os dois protagonistas brincam em cima disso, citam vários nomes conhecidos do grande público e debocham de muita coisa do meio cultural atual, tudo em um ritmo frenético, que mexe com a platéia a todo o momento, surpreendendo e até causando certa estranheza.A direção de Mauro Mendonça Filho é saudosista, além de bastante sensível e competente, cercando a montagem de um conjunto que dá muito certo. Já a dupla de atores é um deleite à parte. Depois de cinco anos atuando juntos neste espetáculo, os atores já se encontram em grande afinação, o que facilita muito o jogo de cena. Mas, além de tudo isso, temos no palco dois atores de uma grandeza ímpar.

Otávio Muller e Marcelo Serrado estão deslumbrantes em cena: ácidos, debochados, divertidos, emocionados e, sobretudo, competentes. Ora um cede espaço para o outro brilhar, e vice versa. Serrado consegue ser cômico, incorporando muito bem a cegueira ao personagem, mas também visceral quando fala do acidente, ganhando a platéia no momento em que conta o que poderia ter sido a vida de ator dos dois amigos, se não tivesse ocorrido a fatalidade. Muller é um absurdo de bom, e na cena em que ele pega o microfone e relembra o que eles eram, o ator faz a platéia arrepiar e delirar. Ele literalmente se entrega – se jogando, dançando, pulando, gritando e cantando – e brilha junto com o companheiro na cena em que destroem o cenário inteiro numa alusão do que teria acontecido em suas vidas.

Não à toa, “No Retrovisor” está em cartaz há cinco anos, e em breve vai virar filme. Não deveria sair nunca de cartaz, proibindo-se que outra dupla de atores o fizesse. A reunião de Rubens Paiva, Serrado, Muller e Mauro Mendonça Filho virou uma comunhão e fez desse espetáculo uma das coisas mais deliciosas e inteligentes de se ver nos últimos tempos.


Cotação: Excelente (*****)
Serviço: No Retrovisor
De: Marcelo Rubens Paiva
Direção: Mauro Mendonça Filho
Com: Otávio Muller e Marcelo Serrado
Onde: Centro Cultural São Paulo - Sala Jardel Filho
Temporada até 12 de agosto.

Nenhum comentário: