Eric-Emmanuel Schmitt é um dos autores mais lidos e encenados internacionalmente da última década, e uma de suas peças, “Pequenos Crimes Conjugais”, ganha sua primeira encenação no Brasil. Nem o próprio autor consegue dizer exatamente qual é o gênero do texto, e isto vai muito da percepção de cada um. Eu diria que é uma mistura de drama, romance e suspense, o que torna o título “Pequenos Crimes Conjugais” fantástico e incrivelmente apropriado.
Lisa e Gilberto são, aparentemente, um casal feliz, bonito e sem problemas. De repente, um acidente causa amnésia em Gilberto, e, a partir daí, Lisa passa a querer moldá-lo da forma que gostaria. Quando o rapaz volta para casa, um clima de total desconfiança começa a rondar a dupla nessa tentativa de recriar a vida a dois. O texto é brilhante, agudo e contundente, com diálogos ferinos e outras vezes doces. Os protagonistas ora se mostram como inimigos, ora como casal, e, a partir daí, várias reviravoltas acontecem, mesclando-se a união de fatos do passado, que se revelam em perspectivas para o futuro, e divagações sobre fidelidade e individualidade. A trama é perspicaz e envolvente momento a momento, muitas vezes nos tornando cúmplices dessa impecável tradução de Paulo Autran e eficaz direção de Márcio Aurélio, as quais contribuem para o bom resultado do espetáculo. O cenário de Isay Weinfeld é um luxo só, aqui indescritível, e, aliado à iluminação, cria um clima frio e de mistério apropriados para o desenrolar da trama. Os figurinos são da grife Armani, e, por fim, a trilha sonora vem arrematar esse belo conjunto técnico.
Já quanto ao elenco, a montagem era inicialmente prevista para ser feita com Marília Gabriela e Edson Celulari, mas, por diversas circunstâncias, foi parar nas mãos de Maria Fernanda Cândido e Petrônio Gontijo. Petrônio é pura doação, sentimento que surte efeito na impecável composição do ator, que sai de um morno desempenho na comédia “Acorda Brasil” para brilhar em “Pequenos Crimes...”. Ele faz um Gilberto frio, calculista, doce e amoroso, e essas diversas nuances são dominadas com maestria pelo intérprete. No entanto, tudo não resulta em melhor resultado porque o ator acaba sendo barrado na troca com sua colega de cena. Não que a bela Maria Fernanda Cândido esteja mal... longe disso. A atriz é esforçada, mas crua demais, e não tem “cancha” para brilhar em texto de tamanha complexidade. Ela não se sai muito bem nas trocas de nuances e, principalmente, não convence nos momentos de desespero. Em compensação, quando exigida nos quesitos sensualidade e doçura, o resultado é um pouco melhor. Acredito até que, daqui a algum tempo, ela seja a atriz ideal para esse papel. Mesmo assim, não dá para negar que existe nítido esmero por parte da intérprete, embora fique imaginando que essa personagem, nas mãos de uma grande atriz, seria um prato cheio e um jogo perfeito entre as duas partes.
Voltando a salientar a excelência do texto, assinalo que este espetáculo vale ser visto por se tratar de entretenimento inteligente, que valoriza e respeita o espectador. Grande texto em mãos erradas.
Cotação: Bom (***)
Serviço: Pequenos Crimes Conjugais
De: Eric-Emmanuel Schmitt
Tradução e Adaptação: Paulo Autran
Direção: Márcio Aurélio
Com: Petrônio Gontijo e Maria Fernanda Cândido
Onde: Theatro São Pedro, Porto Alegre
Dias 24, 25 e 26 de agosto/2007.
Um comentário:
Gostaria de saber quais as músicas que compuseram a trilha sonora da peça Pequenos Crimes Conjugais. Como posso conseguir tal listagem?
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